terça-feira, 11 de junho de 2013

O temor dos "malditos franceses" em Mateus e na região de Vila Real em Maio de 1809




 Apesar da vasta bibliografia existente sobre as Guerras Peninsulares pouco ou nada se sabe, ainda, sobre os efeitos concretos da acção dos franceses, a nível de mortos, relativamente aos lugares por onde passavam. 
Esperam-se estudos, no domínio da micro-história, feitos a partir do levantamento dos registos paroquiais, que dêem a conhecer a realidade de cada freguesia, para assim se poder fazer o grande trabalho de síntese.
No concelho de Vila Real, os estudos que empreendemos permitem-nos concluir que as freguesias mais atingidas foram as da (então) Vila, ou seja S. Dinis, com seis mortos e S. Pedro com dezasseis mortos. Refira-se  que a maior parte das mortes ocorreu nos dias 6 a 9 de Maio de 1809 e a maioria delas foi provocada por tiros "que lhe deram os franceses".

 Embora a maioria das pessoas tenha sido morta no centro da Vila houve alguns combates travados no sítio da Raposeira, Quinta de Prados e Quinta de Mata-Cristos, junto ao Rio Tourinhas onde foram mortas três pessoas que foram sepultadas no local da morte, em lugares profanos.

Registámos ainda três pessoas assassinadas na freguesias de Torgueda  (Lugares de Torgueda, Moçães e Menezes), três na freguesia da Campeã (duas que apareceram mortas no lugar das Porqueiras e um soldado que faleceu na lugar de Vila Nova) e um soldado em Adoufe que faleceu num palheiro em Gravelos.

A notícia da chegada dos Franceses,  que os párocos vila-realenses tratam por "malditos", "malvados", etc. causou o pânico entre as populações. Houve residentes de S. Pedro que fugiram para Santo Tomé do Castelo, ou para Além Douro, na esperança de fugir aos franceses tendo alguns deles morrido, muito provavelmente de susto. 


A freguesia de Mateus não foi directamente afectada pela passagem dos franceses. Porém o pânico instalou-se e o pároco de Mateus "temendo algum insulto de maior como tinham praticado por outras paróquias" retirou-se para lugar mais seguro "fugindo à tropa francesa que tinha chegado a Vila Real" - isto segundo as palavras do próprio pároco, Pe. Francisco Baptista. 
Trazemos aqui a transcrição de dois registos paroquiais de óbito, referentes à pessoa de Francisco George, sendo um do pároco de Mateus, freguesia onde o dito morava e outro do pároco de Arroios, freguesia para onde o dito foi levado e onde encontrou sepultura, embora sem acompanhamento do padre. 
Refira-se que embora o lugar de Mateus fosse um lugar meeiro das freguesias de S. Martinho de Mateus e S. João Baptista de Arroios, muito provavelmente nesse ano de 1809, eles pertenciam a Mateus, ou seja era ali que decorriam os baptismos, os casamentos e os óbitos dos paroquianos. Contudo, por causa do "malditos franceses" o nosso conterrâneo Francisco George teve mesmo de ser sepultado em Arroios.

Eis os registos:
 Do registo de óbito de S. Martinho de Mateus:
"Mateus

Francisco George, casado, do lugar de Mateus desta freguesia de São Martinho do mesmo. Faleceu da vida presente só com o sacramento da extrema-unção que dizem lhe administrou o pároco de São João de Arroios onde recorreu por ser também sua freguesia. Faleceu aos onze dias do mês de Maio de mil oitocentos e nove anos e aos doze do mesmo mês e ano foi sepultado em a dita Igreja de São João de Arroios, por não haver clérigo nesta freguesia que se tinha retirado  fugindo à Tropa Francesa  que tinha  chegado  a Vila real temendo algum insulto de maior como tinham praticado por outras paróquias por onde tinham transitado motivo por que foi sepultado na dita Igreja para onde o conduziram dois homens seculares sem acompanhamento de padre algum isto não por lhe pertencer mas por lhe ficar a dita igreja mais perto. Não fez testamento e para constar fiz este termo que assino dia, mês e ano ut supra.

Coadjutor Francisco Baptista"
                                       Registo de óbito de Francisco George
                             (Fonte: Arquivo Distrital de Vila Real, Registos Paroquiais
                                     de óbito, S. Martinho de Mateus, ano de 1809)

Do registo de óbito de S. João de Arroios

"Francisco Gorge

Aos onze de Maio de mil e oito centos e nove faleceu da vida presente Francisco Gorge do lugar de Mateus desta freguesia de São João Baptista de Arroios, com todos os sacramentos, não fez testamento e foi sepultado dentro desta Igreja no dia doze do dito mês e para constar fiz este termo que assinei dia mês era ut supra.
O Pe. Jerónimo de Carvalho Mourão"

* António Adérito Alves Conde (Junho de 2013)
Escrito, por opção do autor, em desacordo com o novo acordo ortográfico.

Este trabalho é parte integrante do projecto "S. Martinho de Mateus - história, memória, património", da autoria de António Adérito Alves Conde.

2 comentários:

  1. AS BANDAS FILARMÓNICAS COMEÇARAM A FLORESCER EM PORTUGAL PRECISAMENTE COM A PASSAGEM DOS "malditos franceses", SE ESTES PASSARAM em Mateus e na região de Vila Real em Maio de 1809 É FÁCIL FAZER CONTAS E CHEGAR À "DUVIDOSA CONCLUSÃO" QUE FOI NESSA ALTURA QUE A BANDA DE MATEUS NASCEU. ;D

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  2. Com o ambiente social de medo que a presença dos invasores criou não nos parece que o mesmo fosse propício à criação de bandas filarmónicas. Há fundamentação histórica para esta afirmação?

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