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quarta-feira, 16 de maio de 2012

Hidrografia em Mateus (II)

A água destinada à indústria e à agricultura 

Apoiadas nos ribeiros locais que serviam quer de fonte de abastecimento de água, quer de escoamento das águas sujas, existiram duas azenhas destinadas à produção de azeite, pertencentes à Casa de Mateus e à Casa das Quartas. A mais antiga é a da Casa de Mateus (hoje adaptada a “Casa de Artistas”, com salvaguarda de boa parte das suas peças de arqueologia industrial) ambas remontando ao século XVIII. A unidade da Casa das Quartas foi desactivada na década de 80 do séc. XX e o edifício foi adaptado ao sector comercial perdendo-se, deste modo, o espólio desta importante indústria tradicional de carácter sazonal. [5] 

                                           Interior de uma antiga azenha ou lagar de azeite

Existiram também alguns moinhos na freguesia de Mateus, mas somente nas margens do rio Corgo já que o caudal dos ribeiros não era suficiente para fazer andar as mós. 
Alguns deles localizavam-se entre o Rio Pequeno e o Rio Corgo, junto à Ponte da Timpeira, em local que anteriormente a 1960 fazia parte da freguesia de Mateus (designado nos Registos Paroquiais novecentistas como “moinhos do rio Corgo”) e pertenciam à família Lameirão de que descendeu o benemérito Francisco Lameirão, natural desta freguesia.

                                          O Rio Corgo em Codessais junto a Pé de Cavalo

 Mais abaixo havia os moinhos do “Piolho” e outros, alguns deles situados na margem direita do rio até ao lugar de Codessais. Ainda conhecemos alguns desses moleiros, nas décadas de sessenta a oitenta do século passado, que levavam os burros ou machos carregados de sacos de farinha para trocar nas vendas da “Viúva” ou do “Coelho”, em Abambres, as quais cobravam aos clientes ao maquias. 


                                                     O Rio Corgo junto à Ponte da Timpeira
 
O aproveitamento da água destinada à agricultura conheceu um grande desenvolvimento, em Mateus, como na região, no início do séc. XIX com a introdução do cultivo do milho. Assim nos finais de Setecentos foi institucionalizado na região [6] o cultivo do milho grosso, conhecido por “milhão” (termo que chegou aos nossos dias), e da batata, produtos responsáveis pela melhoria da dieta alimentar e provavelmente terá decrescido a produção de centeio, a qual enquanto cereal de sequeiro era referida nas Memórias Paroquiais de 1758 como cultura principal em Mateus, a par da vinha e da castanha. 


                                     Canastro da Quinta da Levandeira - o "templo" do pão (Raia, 1923; Abambres, 1966)

A "revolução do milho" redefiniu a paisagem agrária, destinou-lhe os melhores terrenos e os mais profundos e obrigou à racionalização dos recursos hídricos já que durante a fase de crescimento exige regas semanais. A nível de arquitectura vernacular foi responsável pelo aparecimento dos espigueiros ou canastros, das eiras, dos tanques e dos canais de rega. Os melhores terrenos para o cultivo do milho situavam-se nas margens do ribeiro da Levandeira, desde Urros até às Regadas, em prédios pertencentes à Casa de Urros cultivados por caseiros que pagavam a renda em espécie. Uma vez colhido e desfolhado o milho era armazenado no monumental conjunto de espigueiros pertencentes àquela casa senhorial situados junto à Carvalhada.

 O caso da freguesia de Mateus é uma idiossincrasia de concentração da propriedade num concelho extremamente marcado pela grande divisão da mesma.
No século XIII as melhores terras da freguesia pertenciam a nobres de alta linhagem (Martim Gil d’Arões e outros) e aos mosteiros de Pombeiro, S. João de Tarouca e Salzedas, havendo muitos casos de usurpação de terras reguengas a favor dos grandes senhores. Nos finais da Idade Média a Sé de Braga titulava a posse dos melhores “casais” espalhados pela quase totalidade da freguesia tendo a cultura da vinha e das árvores de fruto uma forte implantação. Com o advento da Restauração e dos tempos modernos, paulatinamente, assistiu-se à concentração da propriedade nas mãos da nova nobreza. É instituída na freguesia a primeira das casas senhoriais que chegaram aos nossos dias – a Casa de Mateus. No século seguinte surge a Casa do Paço a partir dos morgados de Arroios, a Casa de Urros que depois se ligou aos morgados de Vila Cova e a Casa das Quartas com ligações à Casa de Vale de Nogueiras, à casa de Nossa Senhora do Loreto de Sabrosa e à Casa dos Morgados do Espírito Santo, de Favaios. O predomínio das grandes casas senhoriais conheceu uma curva descendente a partir da década de sessenta do séc. XX sendo alguns dos seus terrenos melhor localizados vendidos e afectados às urbanizações do Troviscal, das Regueiras, do Boque, de Trás dos Soutos, da Carreira Longa, da Preguiça, de Pé de Cavalo, etc.

                                           Conjunto de espigueiros ou canastros da Casa de Urros.

 Na freguesia de Mateus, onde é ainda possível encontrar um ou outro campo de milho, até à década de noventa do século passado ele era sobretudo semeado nos vales irrigados pelos ribeiros centrais da freguesia, concorrendo com a cultura intensiva de hortaliças, leguminosas e plantas de alfobre também elas muito dependentes de regas frequentes. Sendo a água já um recurso escasso numa freguesia auto-suficiente e, sobretudo, que produzia e canalizava para os mercados das redondezas os seus enormes excedentes, não admira que a sua utilização obrigasse a procurar as melhores formas do seu aproveitamento que  evitasse desperdícios e que, por sua causa, houvesse inevitáveis disputas e conflitos. Entretanto o constante abandono dos campos, a partir do consulado cavaquista, e a crescente urbanização de campos agrícolas de rega ou de sequeiro e a criação de novas vias e arruamentos em terrenos outrora agrícolas, levou ao abandono das consuetudinárias formas de distribuição das águas de partilha, com regras orais que, de geração em geração, eram por todos respeitadas [7] 


Vejamos, em detalhe, os principais cursos de água, a saber:

Ribeiro da Levandeira (das Lameiras da Laje às Regadas) 
                                          Ribeiro da Levandeira no lugar do Além, em Abambres.

Nasce perto da igreja de Mouçós, a 638 metros da altitude, passa ao lado da povoação da Laje, desce paralelo à estrada 576 (Droa – Laje). Na Raia (perto da Quinta da Fonte Velha recebe um pequeno curso de água que vem da Quinta do Russo, cujo aquífero abastece a velha Fonte da Rabela. Passa nas traseiras do solar da Casa de Urros, atravessa a E.N. 322-1 no lugar do Além (cerca de 100 metros acima da escola primária de Abambres). Encontra o caminho-de-ferro do vale do Corgo (Km 26,8) onde há uma ponte e desce o vale da Levandeira. Um pouco abaixo da referida ponte recebe um outro curso de água que acima denominámos das Quartas (será o ribeiro do Frengo referido na documentação medieval?), oriundo de Navalhos. Recebe ainda dois pequenos cursos de água (um que vem da Redonda) e outro que vem do Bairro da Pimenta e desagua no rio Corgo, depois do lugar de Pé de Cavalo, no lugar das Regadas. Nas Memórias Paroquiais de 1758 é feita referência, na entrada do lugar de Abambres, a “uma ribeirinha que nasce nas Lameiras da Laja, freguesia do Salvador de Mouçós e corre de Nascente a Poente e se mete também no rio Corgo em distância de três quartos de légua. As águas desta ribeira regam todas as terras das suas margens por repartição aos dias de semana”. [8] 

Ribeiro denominado das Quartas (de Navalhos à Levandeira) 
Nasce em Navalhos, a 530 metros de altitude, passa pela Casa das Quartas onde atravessa a E.N. 322-1 [9], passa ao lado da capela de Santo Isidro, atravessa ao meio a Quinta da Levandeira, transpõe o caminho de ferro e vai desaguar no Ribeiro da Levandeira. Recebia, junto ao tanque grande da Quinta da Levandeira, um pequeno curso de água que passava a céu aberto no meio do Largo da Baralha e descia ao longo da Rua do Lavrador e Rua do Fundo de Vila. Este curso de água que era também em rego condutor de água de partilhas provenientes da Carvalhada da Casa de Urros e de águas vertentes, nomeadamente do lavadouro público do Largo da Baralha, foi substituído pelo colector de águas pluviais. O progresso urbanístico e o abandono dos campos da freguesia na década de noventa deram por extintos estes sistemas de águas de servidão. 

Ribeiro do Boque (de Lamas de Monte ao Corgo, na Timpeira)
 Nasce em Lamas de Monte, a 550 metros, atravessa a linha férrea acima do Km 28 e atravessa a E.N. 15 junto à Vila Paulista ou Quinta do Lameirão. Aí recebe um pequeno curso de água oriundo da Quinta da Veiga e do Paço. Vai desaguar no rio Corgo, perto da Ponte da Timpeira. Com a crescente urbanização da Vila Paulista e do Centro Comercial, sitos na Quinta do Lameirão, estes cursos foram ligeiramente deslocados e canalizados em parte do seu percurso.

 Ribeira de Tourinhas (do Rebordo Longo à Peneda) 
Nasce na Serra do Rebordo Longo, perto de Magarelos, a 850 metros de altitude; passa por Pena de Amigo, depois ao lado da Mata do Conde, pelo chamado Vale do Rio atravessando a EN 322 na Ponte de Mateus, junto à ex-azenha do Conde, hoje Casa dos Artistas. Vai até à povoação dos Torneiros onde, junto à casa armoriada da Quinta do Sobreiro, atravessa uma ponte medieval, segue o vale de Vilalva, passa a ponte de Tourinhas, indo desaguar no Rio Corgo na cascata da Peneda onde havia um conjunto monumental de moinhos de água. Recebe ao longo do seu percurso o tributo de pequenos ribeiros e cursos de água. Divide a Sul a freguesia de Mateus com as de Constantim e Arroios. 

                                                    Rio de Tourinhas na cascata da Peneda

Nas memórias Paroquiais de 1758 é referido que o rio de Tourinhas nasce na Poça do Salgueiro e corre todo o ano excepto em verões demasiado secos. Desde o lugar onde nasce “em pouca quantidade” até perfazer uma légua e um quarto o seu percurso diz ser “algum tanto arrebatado”, talvez por correr em       zona de montanha e vencer um declive de perto de 300 metros. Depois “corre manso” quando atinge a zona de vale, deixando o sentido norte para sul e virando a poente. É ainda referido que todas as suas margens são cultivadas e têm seus arvoredos, excepto quando passa pelo meio da grande mata do morgado de Mateus.
 Em 1758 havia “um engenho de azeite quando passa pela quinta do morgado de Mateus”; provavelmente teria a mesma localização da azenha que aí conhecemos a funcionar ainda nas décadas de 60 e 70 do séc. XX (aqui já referida) e onde hoje se situa a Casa dos Artistas da Fundação da Casa de Mateus. Ainda na mesma data o rio de Tourinhas tinha duas pontes de madeira, em Mateus e em Tourinhas, a primeira muito provavelmente no local da actual ponte do período do fontismo, que liga Mateus a Arroios e Sabrosa, e a segunda na antiga estrada de Folhadela, junto da antiga estação de caminhos de ferro. Nas ditas memórias é referido que possui peixes pequenos, essencialmente escalos e que as suas águas regam e limam as terras das suas margens. Curioso é o facto de não ser feita referência à ponte medieval que fica junto à casa do Sobreiro, perto da povoação dos Torneiros. [10] 
O Rio de Tourinhas dividia e divide, a Sul, a freguesia de Mateus com as de Constantim e Arroios.

 Rio Pequeno (do Rebordo Longo ao Corgo).
 Nasce na Serra do Rebordo Longo, a 800 metros, acima de Sanguinhedo. Passa por Varge, Bouça, atravessa o caminho de ferro, da antiga linha do vale do Corgo, entre o Km 28 e o Km 29 e desagua no Rio Corgo acima da ponte da Timpeira, junto ao Bairro de Santa Maria, depois de atravessar aí um ponte de acesso ao dito bairro. Dividia (e ainda divide, em pequena parte), a norte, a freguesia de Mateus, da freguesia de Mouçós.

 Notas:
 [5] Nos nossos tempos de criança, na volta da escola do professor Botelho, quantas vezes ali entrámos movidos pela curiosidade de ver as mós a trabalhar, a armação do bagaço sobre as ceiras, ou o azeite a cair para o inferno.
 [6] Sobre a introdução do milho na região vila-realense Cf. CONDE, António Adérito Alves (2009); João Evangelista Vila Real (1790-1869). Uma biografia para além do enredo camiliano (Dissertação de mestrado de História Contemporânea), Porto, Faculdade de Letras da Universidade do Porto, pp. 21-22.
 [7] Num caso que conhecemos pessoalmente, as águas sobrantes da fonte setecentista de Santo Isidro correm para uma poça com chão em terra natural e uma estrutura lateral em terra. A poente fica o “boqueiro” numa parede em pedra. Desconhece-se a origem da partilha da água mas acredita-se que ela remonte à construção da fonte, há mais de dois séculos e meio. A água é partida no Verão entre o dia de S. João (24 de Junho) e o dia da festa de Nossa Senhora da Almodena (8 de Setembro). Na partilha concorrem quatro consortes e cada período de partilha abrangia 4 dias. Assim: . no lameiro contíguo à poça, que em 1970 (por exemplo) tinha 2 caseiros, o consorte A, tinha direito a tapar a poça e usar a água no pôr do sol do dia 23 de Junho até ao pôr do sol do dia 24 de Junho, hora em que o outro caseiro, consorte B, tinha direito a usar a água por mais 24 horas. No pôr do sol do dia 25, o consorte C que era caseiro do Campo do Minho tinha direito à água até ao nascer do sol do dia seguinte, hora em que a água voltava a pertencer ao consorte A até ao pôr do sol do dia 26 de Junho. Aí cabia ao consorte D (da Quinta da Levandeira) usufruir da água do pôr-do-sol até às 10.30 horas do dia seguinte. Depois, até ao pôr-do-sol do dia 27 de Junho, a água voltava a pertencer ao consorte C, começando a partir daí um novo ciclo de 4 dias. Fora dos meses de partilha o consorte D tinha direito às águas vertentes dos campos granjeados pelos consortes A e B.
Na véspera do S. João os consortes juntavam-se para “fazer a poça”, operação que consistia em cortar as silvas e retirar com as enxadas as ervas que tinham crescido, do Outono ao Verão seguinte. Os dois consortes que usavam o rego para a passagem da água tinham que consertá-lo juntos cortando as silvas e outras ervas que haviam crescido durante o Inverno. A água seguia pela lei da gravidade e no caso do consorte C tinha que transpor, através de uma caleira aérea, o caminho que, do Fundo de Vila segue até ao Ribeiro da Levandeira. Daí que, caso passasse algum carro de bois com carga alta (mato, palha, etc) a caleira era retirada, ainda que passasse água, e reposta de novo. Refira-se que não há nenhum documento de partilha desta água, a qual segue o direito consuetudinário ou costumeiro, de tradição oral. 
[8] CAPELA, José Viriato; BORRALHEIRO, Rogério; MATOS, Henrique – As freguesias do Distrito de Vila Real nas Memórias Paroquiais de 1758. Memórias, História e Património; Braga, 2006, p. 554.
 [9] E.N. 322 -1 – é um troço, de menos de 2 Km, entre o cruzamento do Boque e o da Droa, que liga a E.N. nº 15 à E.N. 322. 
A E.N. 322 liga Vila Real a Sabrosa e a E.N. nº 15 liga o Porto a Bragança. São estas três estradas nacionais, as maiores do período da Regeração, que cortaram território da freguesia de Mateus e que cedo lhe proporcionaram óptimas acessibilidades.
 [10] CAPELA, José Viriato; BORRALHEIRO, Rogério; MATOS, Henrique, idem, pp. 554-555. _________________________________________________________________ 
* O presente estudo é parte integrante do projecto de estudo monográfico “S. Martinho de Mateus – história, memória e património”..

Por opção do autor o texto não foi escrito de acordo com o Novo Acordo Ortográfico.

terça-feira, 15 de maio de 2012

Hidrografia em Mateus (I)


1.     Introdução
A freguesia de Mateus considerando, em sentido lato, o território que manteve desde os tempos medievos até à década de 60 do século XX [1], é delimitada por vários cursos de água dos quais se destacam o rio Corgo (afluente do Douro, que nasce em Vila Pouca de Aguiar e com um percurso de cerca de 50 Km), a poente, o rio Pequeno e o de Tourinhas, a norte e a sul, respectivamente. Nos pequenos vales do interior da freguesia corre o ribeiro da Levandeira, o ribeiro que denominamos das Quartas, o ribeiro do Boque e outros pequeníssimos cursos de água, todos tributários do rio Corgo. Curiosamente os maiores cursos de água nascem, a pouca distância uns dos outros, nas faldas da Serra do Rebordo Longo.
Estes pequenos rios e ribeiros (em cujos vales brotam ainda boas fontes cuja água era afectada ao consumo humano) irrigavam as férteis terras da freguesia tão conhecida, desde os tempos modernos até à entrada do presente século, pela fartura de hortaliças e frutos que abasteciam os mercados de Vila Real e concelhos circunvizinhos.
Refira-se que anteriormente à época da motorização, da electrificação, da rega automática e do abastecimento domiciliário de água a partir de recursos hídricos exteriores à freguesia, cujo pleno ocorreu já nas últimas décadas do séc. XX, a água destinada ao consumo público de pessoas e animais domésticos era proveniente de minas,  fontes de bica e de mergulho e a água de rega corria pela lei da gravidade, dos altos para os baixos [2], por regos e levadas, com excepção da água dos poços que era tirada por tracção animal através de noras ou pela força humana através de gravanos [3] ou antigas noras de origem árabe.

                                

                                                                    Fonte da Rabela - lugar de Navalhos 

 

 

2.     A água destinada ao consumo humano – da romanização à actualidade
A ocupação humana, de modo estável, num determinado local carece, desde sempre, dos necessários recursos hídricos. A água é fonte de vida – é comum dizer-se.
 Os primeiros habitantes da nossa freguesia ter-se-ão fixado na zona de Navalhos e Outeiro de Lobos, locais onde tem aparecido vestígios materiais do período da romanização; são lugares privilegiados sob o ponto de vista defensivo e próximos de bons aquíferos como é o caso da Fonte da Rabela que algumas lendas locais atribuem aos romanos.

Na documentação medieval da nossa freguesia encontrámos referência à Ribeira da Espondera, à Ribeira da Levandeira, ao rego da água da Cal, e às fontes do Arrabalde, das Bouças, do Frengo e da Pipa. Na maior parte dos casos são micro-topónimos hoje praticamente desconhecidos e cuja designação evoluiu ao longo dos séculos. A fonte setecentista de Santo Isidro, onde a água quase brota à superfície, seria, muito provavelmente, a fonte do Frengo. Mas este como outros termos usados na Idade Média para designar “casais” da nossa freguesia são hoje desconhecidos, aparecendo, quando muito, em algumas inscrições matriciais.

Do final da Idade Moderna conhecem-se as referidas fontes de Santo Isidro, em Abambres e a da Rabela em Navalhos. Era aí e nas minas particulares, no caso de “casais” isolados, que o povo se abastecia.
                                 Fonte setecentista de Santo Isidro - lugar de Abambres
 
Quanto às grandes casas senhoriais da freguesia – a “Casa Grande”, ou “Casa de Mateus”, a “Casa de Urros”, ou a “Casa das Quartas” e em menor grau a “Casa do Paço”, desde cedo construíram as suas próprias fontes e sistemas de rega orientados quer para os jardins mais ou menos majestosos que todas dispunham, quer no aproveitamento das sobras para a rega dos campos. O seu abastecimento apoiava-se, em boa parte, nos ribeiros locais e seus vales. Existem ainda belos exemplares de tanques decorativos e fontes pertencentes aos solares da freguesia.
                             Fontes e tanques artísticos - Casa de Mateus e Casa  das Quartas  

Os principais fontanários, de bica corrente e, mais tarde, de torneira foram construídos na década de 40 do séc. XX, na administração municipal de Costa Lobo, a partir de nascentes locais. Possuíam tanques para lavagem de roupas, a partir das águas sobrantes e situavam-se no Largo da Baralha, em Abambres, no lugar do Além, em Abambres, no Largo do Conde de Mateus, em Mateus e no lugar da Raia. No final da década de 70 passou a vulgarizar-se a distribuição domiciliária de água [4], o que resultou numa melhoria do conforto e da qualidade de vida das populações e na diminuição das doenças infecciosas. Em contrapartida, até à criação da rede de saneamento básico, já no início do século XXI, a maioria dos poços corria risco de contágio devido à instalação indiscriminada de fossas e poços sumidouros.
                                  Fonte de Mateus (anos 40)
 
 Os tempos mudaram e as velhas fontes e lavadouros ficaram obsoletos. A velha imagem de marca do Largo da Baralha em Abambres, com a fonte, os lavadouros ao centro e o rego da água a meio, que muitos de nós conheceram, pertence ao passado, embora substituída por uma renovação de mau gosto. Já ninguém lava nem vai à fonte de Santo Isidro. A fonte da Ramalha está rodeada de silvas, tal como a fonte da Rabela.
Perdeu-se um espaço de sociabilidade importante associado à ida ao fontanário e ao lavadouro já que era ali que eram conhecidas as notícias da terra, que se começavam alguns namoros, que se convivia, que se discutia e que (para alguns) se aproveitava para “lavar” a chamada “roupa suja” já que o lavadouro era também o espaço para alguma intriga.
A imagem idílica da ida à fonte, veiculada por alguma da nossa literatura clássica, já só faz parte do álbum de recordações de algumas das gerações.
                                    Fonte do Além (anos 40)
Notas:
[1] Pelo Dec. Lei nº 43 347 de 23.11.1960 que criou a freguesia urbana de Nossa Senhora da Conceição, a freguesia de Mateus, cujo limite poente era o rio Corgo, foi esbulhada de cerca da terça parte do seu território, o qual reverteu a favor da nova freguesia e da freguesia de S. Pedro.
[2] Não existem grandes depressões no relevo da freguesia de Mateus cujas altitudes variam entre os 400 e os 600 metros. Eis algumas altitudes: Mata do Conde (600 metros), Carvalhada (518 metros); Navalhos (527 metros); Lugar de Além, Abambres (501 metros); Mateus, zona do solar (494 metros); Casal de Matos (474 metros); S. Martinho (504 metros); Fundo de Vila (467 metros); Foz do ribeiro da Levandeira (400 metros).
[3] Espécie de regador em folha-de-flandres com um cabo comprido e que servia para tirar a água, por força braçal, dum ponto mais baixo para um rego situado num ponto mais alto.
[4] Hoje a freguesia de Mateus, assim como parte das freguesias de S. Pedro, Nossa Senhora da Conceição e Arroios, é abastecida de água a partir da Central do Pisco situada na povoação da Raia, sendo a água proveniente do chamado sistema do Alvão, podendo, em caso de necessidade, ser servida pelo sistema do Sordo. Prevê-se que, em breve, possa ser abastecida com água proveniente da barragem do Pinhão. Cf. SILVA; Rui Agostinho; Gestão e Monitorização do Sistema Público de Distribuição de Água de Vila Real – Zona do Pisco (Dissertação de mestrado em Engenharia Civil na UTAD), Vila Real, Universidade de Trás os Montes e Alto Douro, 2009, p. 40-42.
 
O presente estudo é parte integrante do projecto de estudo monográfico “S. Martinho de Mateus – história, memória e património”, da autoria de António Adérito Alves Conde.

Por opção do autor,  o texto não foi escrito de acordo com o Novo Acordo Ortográfico.